Lark
09 de julho, 2025
Meus pais sempre me incentivaram muito a fazer as coisas que eu gosto, especialmente desenhar. Meu pai me convenceu a cursar Artes Visuais na faculdade, em vez de arquitetura ou design, que eram minhas primeiras opções. Ele e a minha mãe tiveram um papel fundamental em me convencer a sair do meu emprego fixo e tentar a vida nos quadrinhos. Não é a toa que eu dediquei o Como Abraçar a eles.
JORNALZINHO DA LARK | EDIÇÃO #11 • JUL2025 |
Meus pais sempre me incentivaram muito a fazer as coisas que eu gosto, especialmente desenhar. Meu pai me convenceu a cursar Artes Visuais na faculdade, em vez de arquitetura ou design, que eram minhas primeiras opções. Ele e a minha mãe tiveram um papel fundamental em me convencer a sair do meu emprego fixo e tentar a vida nos quadrinhos. Não é a toa que eu dediquei o Como Abraçar a eles.
Dito isso, e já tendo expressado efusivamente minha gratidão, preciso apontar um dos curiosos jeitos de eles me incentivarem. Às vezes, quando eu ia mostrar orgulhosamente um desenho ou uma história em quadrinhos que eu tinha feito, eles elogiavam dizendo: “você podia ganhar dinheiro com isso!”.
Quem nunca ouviu isso, né? Eu tenho certeza que é dito com a melhor das intenções, e talvez a maioria das pessoas nem pare pra refletir sobre isso, porque afinal, que mal há nessa simples frase? Eu mesma não via mal nenhum, e nunca questionei, até de fato sair do meu trabalho para trabalhar com quadrinhos.
Eu relutei muito em fazer isso. Fazer quadrinhos/desenhar era meu hobbie, e eu tinha a impressão de que transformar isso numa fonte de renda estragaria a coisa toda. Felizmente eu estava errada, e eu não poderia ser mais grata e satisfeita nessa vida do que tirando meu sustento dos meus quadrinhos, hoje. Apesar de ter toda a carga de responsabilidade de qualquer outro emprego, ainda é um prazer e posso dizer que desenhar não perdeu num um pouco da magia para mim, exceto talvez que agora eu dificilmente faço qualquer desenho sem ser "por trabalho", e eu sinto um pouco de falta disso.
Quando eu finalmente fiz essa transição, deixando meu emprego em tempo integral para trabalhar só com quadrinhos, eu tinha muito tempo livre. O que é estranho porque eu ainda tinha muita coisa para fazer, mas posso dizer talvez que agora eu tinha só um emprego de tempo integral ao invés de dois, e meus dias ficaram muito mais desocupados.
E aí, eu entrei numa pequena crise. Eu não tinha cada minuto do meu dia preenchido com afazeres e tarefas, e muitas vezes eu não tinha nada para fazer. Outros amigos que passaram por casos muito parecidos relataram exatamente o mesmo sentimento: “eu não estou fazendo nada, então eu sou um inútil, um peso morto na sociedade, um desperdício de ar respirável". E agora, encurtando o caminho entre esse sentimento, muita reflexão e autoanálise, eu concluí que talvez a semente disso seja essa frase inocente: “você podia ganhar dinheiro com isso".
“Você podia ganhar dinheiro com isso", logo, é bom.
Algo é útil, logo, tem valor.
Eu posso fazer algo com isso? Posso utilizar, tirar algum resultado prático e palpável dessa coisa ou atividade? Então isso presta. Do contrário, é uma absoluta perda de tempo e desperdício de ar respirável.
Esse tipo de pensamento é incutido dentro do nosso cérebro inconscientemente e inocentemente por gerações e gerações antes de nós que sofreram o mesmo tipo de educação utilitária. O tipo de educação que vem de um sistema socioeconômico em que ter poder aquisitivo — quanto mais, melhor! — é absolutamente imperativo.
E mesmo agora que voltamos a valorizar hobbies e ações simples de autocuidado, esse pensamento utilitarista ainda está às voltas. Você pratica meditação porque isso melhora o funcionamento da sua mente. Você faz caminhadas na natureza porque isso faz bem para o seu corpo. Você dorme bem para ser mais produtivo. Você faz atividades manuais/criativas para ter mais saúde mental. Você lê para adquirir conhecimento.
E sim, tudo isso é verdade e é positivo, mas a gente precisa mesmo justificar e atribuir valor prático para cada coisinha que a gente faz? A gente não pode só meditar, caminhar, dormir, criar e ler, sem que nenhuma dessas coisas ativamente acrescente algum tipo de valor palpável para o tempo e o ar que a gente gasta nelas?
Eu acho que começar a fazer qualquer atividade, por puro prazer e sem utilidade invevitavelmente vai gerar a crise que eu comentei acima. É um súbito embate contra conceitos sedimentados por anos e anos nas nossas mentes facilmente moldáveis, mas eu posso dizer por experiência própria que melhora com o tempo e a prática. Já faz alguns anos que eu muitas vezes me pego gastando prodigamente horas de vida com algum prazer simples e gratuito, a última definição de luxo e fortuna, com 5 pilas na conta pra passar o resto do mês, mais rica do que qualquer executivo workaholic, mais realizada do que qualquer ícone da cultura. Só gastando a vida, o tempo e o ar. Ainda com um pouquinho de culpa, mas ela tende a diminuir.
Eu já me programei para tirar férias no final do ano (outro luxo inimaginável, especialmente para autônomos). Eu espero conseguir desenhar durante essas férias, e não ganhar nem um centavo por isso.
Deixo como recomendação sobre esse tema a imbatível Karipola e o seu Quase Tudo são flores, um livro cheio de desenhos para a leitura ser leve e divertida (apesar dos tapas na cara); E a animação Soul, da Disney.
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Já ouvi muita recomendação do livro A Vida não é Útil, do Ailton Krenak. Está na minha lista mas ainda não li. Falarei dele no futuro se houver ocasião.
N O V I D A D E S
Já tem alguns meses que estou sofrendo uma dor na mão, causada por esforço repetitivo (desenhar). Não é nada muito catastrófico, só preciso me alongar muito e de vez em quando tomar um analgésico. Eu tirei umas radiografias e fiquei admirando os ossinhos dessa minha mão direita, que é instrumento do meu trabalho, mas mais do que isso, uma parte insubstituível do meu corpo, a parte tangível do meu ser através da qual a parte intangível do meu ser pode experienciar o mundo. Eu estou gastando minha mão fazendo algo que eu amo e, bem, se machucar faz parte.
Mas enfim, eu compartilhei as radiografias no instagram e alguém sugeriu de fazer a camiseta como uma paródia da Hayley Williams, e aí está ela:
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C O M O E S C R E V E R U M A H Q
Depois de dezenas de etapas e meses infindáveis de trabalho, chegou a hora de fazer o que muita gente pensa que é a única coisa que quadrinista faz: desenhar.
Eu não vou fingir aqui que essa parte é fácil, que não exige uma quantia absurda de tempo e trabalho e não vem com doses generosas de síndrome do impostor. Mas como é a parte final, cada página que eu desenho é um check definitivo da minha lista, é o fim, algo acabado, uma página para a qual eu não vou mais precisar voltar! (spoiler: eu vou precisar voltar sim, pra corrigir alguma ou várias coisas, mas o sentimento de trabalho feito persiste).
Além do mais, a parte realmente desafiadora do trabalho já passou. A história está escrita, o esboço está lá. Finalizar, isto é, fazer o traço e a cor, acaba sendo um trabalho bastante mecânico, que não exige muito raciocínio pra mim. Aqui, eu vou acabar tomando uma e outra decisão de menor ordem de design ou cor. Se você quiser ver como é isso, tem esse vídeo onde eu desenho uma parte de uma página. Acho que levei uma hora pra fazer meia página, e o processo é muito parecido pra todas. É lento, mas é leve, tão leve que eu me filmei fazendo, coisa que eu acho que não conseguiria em nenhuma outra etapa.
Exemplificando melhor, rascunhar tem essa energia aqui:
Enquanto que finalizar, tem essa:
(vale a pena ver essa animação do Toniko Pantoja com som, aqui)
Num dia ideal de trabalho, eu coloco minha playlist de Twenty One Pilots em loop, e passo horas desenhando e colorindo páginas, dançandinho e sem interagir com nenhum ser humano, nem pessoalmente nem online. 🕊️🍃
E tem a parte extremamente satisfatória de substituir os esboços pela arte final no arquivo do InDesign:
Eu posso falar de realização pessoal, de receber reconhecimento, de atingir o coração das pessoas ou sei lá o que, mas a verdade é que GRANDE parte da satisfação de fazer quadrinhos pra mim vem de arrastar uma figurinha de uma pasta pra um arquivo de indesign e ver um antes/depois instantâneo das minhas paginazinhas! ✨✨✨
E aí chegamos quaaaaase ao final desse árduo trabalho de produzir uma HQ. Como eu trabalho meio que intercalando várias etapas, não tem exatamente uma linha do tempo bem definida. Mas na próxima edição, vou falar do financiamento coletivo, que querendo ou não, também é uma etapa da produção.
Até a próxima!
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Comentários
LARISSA
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ISABELLA
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